Na Fortaleza que parece crescer sem rumo e sem fiscalização, 42,73% dos espaços verdes estão invadidos
Do alto se enxerga uma Fortaleza cada vez menos arborizada e quase predominantemente acinzentada. Toda cheia de asfalto, com rios canalizados e árvores derrubadas diariamente. É como se o pouco que ainda restasse de verde estivesse definhando, sumindo na paisagem. Para agravar mais o caso, até as áreas institucionais, aquelas que deveriam ser protegidas pelo poder público, estão sendo tomadas.
De um total de 2,3% do território destinado para as praças, parques, espaços livres e verdes, 42,7% foram invadidos, conforme o mais recente estudo da gestão, o "Fortaleza em números". Do restante liberado, 15% não foram implantados.
E sobram exemplos de devastações ambientais na capital. Prova é o caso de moradores do bairro Parreão que, há mais de dez anos, esperam pela desapropriação efetiva de um terreno na promessa de que ele possa virar parque ou praça pública.
Com um extenso rio correndo por toda a área, com dezenas de árvores frondosas e animais silvestres, o local é alvo de vândalos, depositário de entulhos e motivo de especulação imobiliária. O lote Thomaz Pompeu Magalhães, com quadras 13 e 18, situado na rua Júlio da Silveira, conta com 12.078,00 m² .
Parreão III
Até uma placa de "vende-se", inserida em um poste na esquina da área, parece revelar como a gestão municipal perdeu as rédeas da fiscalização e da manutenção da natureza. O espaço que, em 2000, foi considerado apto à desapropriação hoje é motivo de querela entre o poder público e os que se reivindicam donos. Uma saída para a retomada poderia ser a indenização.
Nessa disputa, habitantes sofrem com a ausência de espaços verdes e sonham com a construção do tal Parque Parreão III. "A Prefeitura perdeu essa área toda. Não tomou conta, nem fiscalizou e urbanizou. Daí chegaram outros se dizendo donos. Um absurdo esse descaso. Esse riacho que passa aqui tem muita importância para o equilíbrio ambiental e manutenção da flora e fauna", frisou Régia Dourada, moradora do bairro.
Ela lembra ainda que a reclamação não é nova. Nos idos de 2004, a Secretaria Executiva Regional (SER) IV chegou a anunciar que havia um projeto para o bairro. Entretanto, de lá para cá, nada avançou. Ainda nesse ano, a mesma secretaria indicou que as negociações teriam conseguido êxito. Nesse ínterim, o parque não saiu do papel enquanto os anseios de venda dos lotes só aumentaram.
A situação é hoje motivo, inclusive, de briga judicial na 6ª Vara da Fazenda Pública. Um dos representantes dos inventariantes, que pediu para não se identificar, aguarda a negociação com a Prefeitura e diz pagar o Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) e cuidar da limpeza urbana.
Entretanto, o cenário hoje é de abandono, relata a secretaria Karina Lopes. Moradora da frente do terreno, ela conta que são frequentes as queimadas, focos de sujeira, colocação de entulhos como armários, sofás, montes de sacos e restos de materiais de construção urbana.
Itapery
Infelizmente, o exemplo citado no bairro do Parreão não é isolado. Moradores perto do Campus da Universidade Estadual do Ceará (UECE) no Itapery, na comunidade chamada de Dendê, sofrem com as ameaças de especulações e ocupações irregulares, tanto de ricos e pobres.
Nas últimas três semanas, dezenas de barracos foram armados em toda extensão da Rua G, na margem do Açude José Pires - área de proteção ambiental. De longe se avista os casebres, a sujeira e o uso irregular do solo.
Além disso, são constantes também, segundo o historiador e integrante do Movimento Pró-Parque, Milton Ferreira, 31, a colocação de entulhos no rio, as queimadas e até construções na margem do logradouro, devastando, assim, toda a mata ciliar.
"O poder público devia cuidar melhor desse espaço antes que ele morra em definitivo. Seria urgente manter a mata e preservar o pouco que ainda nos resta. Temos bacias lindas e super importantes aqui", disse Ferreira. O desequilíbrio ambiental estaria matando animais e provocando inundações na região.
Para ele, até empresas de mobiliário e igreja se instalaram na área que era para ser de preservação. Os moradores reclamam também do crescimento da violência urbana com as ocupações irregulares na comunidade.
Invasão
42% É a porcentagem atual de praças, áreas verdes e de lazer que, ao invés de estarem sendo preservadas e urbanizadas pelo poder público, foram invadidas
DIFICULDADE
Semam tenta evitar ações
"A questão social tem resolvida mas sem invadir os espaços verdes", disse. A saída seria conter a prática ainda no nascedouro, antes que ganhe proporções maiores. Para ele, os danos com as ocupações nas áreas institucionais seriam imensos, tanto do ponto de vista ambiental como na relação do controle urbano. "O povo tem que aprender a respeitar o patrimônio, a coletividade. A preservação dos espaços verdes é fundamental para garantir o equilíbrio ambiental, o futuro das próximas gerações e o uso mais saudável e sustentável das cidades", disse o secretário da Semam em Fortaleza.
A gestão municipal teria, inclusive, um grupo de trabalho só para evitar as invasões, atuar na prevenção e fiscalização.
Explicações
Sobre a denuncia no bairro do Parreão, a Secretaria Executiva Regional (SER) IV, esclareceu, em nota, que a gestão está aguardando apenas um parecer da Procuradoria Geral do Município sobre a desapropriação do terreno para seguir com os projetos. No entanto, a SER IV continua fazendo a limpeza e recolhendo o lixo colocado no local.
Com relação ao terreno na Rua G, no bairro do Dendê, próximo à UECE, a Regional IV esclarece ainda que há cerca de 10 dias foi feito uma desocupação e os invasores foram retirados, mas voltaram ao local. A SER IV enviou ainda um ofício na segunda-feira à Polícia Militar para a realização de uma operação com o intuito de desocupar novamente o local.O atual titular da Secretaria de Meio Ambiente de Fortaleza (Semam), Deodato Ramalho, até reconhece a gravidade do problema, mas relata a dificuldade em resolver a questão das ocupações de áreas verdes em definitivo. Visto que, segundo o gestor, a vulnerabilidade social - da falta de moradia, por exemplo - não deveria ser justificativa para tais ações irregulares.
fonte: Ivna Girão, Diário do Nordeste